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Sentimento de incompletude II

Havia eu escrito que uma das decorrências ruins da procrastinação ilimitada é o sentimento de incompletude que me aflige quando deixo algo para tão tarde que acabo por perder a chance de realizá-lo com êxito, fazendo assim com que um vazio se forme no meu peito por tempo indefinido. Até que a sensação passe ou até que eu resolva meus problemas de uma vez por todas.

Entretanto, o que parece ser exclusivamente ruim não o é. O sentimento de incompletude pode trazer seus benefícios, sem dúvidas. Quando ele acontece como consequência de uma ação desmedida, como a procrastinação, via de regra é ruim.

O que acontece é que esse sentimento tão esvaziador pode vir antes: como um pressentimento, ou melhor, pré-sentimento. E esse pré-sentimento se transforma em alerta para ações futuras.

O que quero dizer é: quando o vácuo da incompletude vai aparecendo aos poucos, sabe-se que há algo por terminar, e assim pode-se tomar o rumo certo a ser seguido. Ou seja, o mesmo sentimento que pode vir como decorrência da procrastinação também é remédio eficaz contra ela, quando percebido e controlado.

Por isso é importante que se aprenda a entender quando o sentimento de incompletude passa a tomar conta de nós: significa que é chegada a hora de impor regras a nós mesmos e a tudo que nos cerca, como trabalho, escola ou outros compromissos – por menores que sejam, podem ser essenciais. É aí, então, que a incompletude passa a se tornar completa e a procrastinação… Ah, essa pode ficar para depois.

 

Por Gabriel Goes


Ascensão e queda de uma instituição egoísta

Nasceu como uma em meio a muitas outras. Só mais uma. Mas ah, ela almejava ser muito mais. Queria se espalhar pelo mundo, conquistar territórios novos, ter e demonstrar poder. Queria ser poder. Pequena como era, observava seus devaneios megalomaníacos à distância. Percebeu que, para chegar a eles, só havia um jeito: passar por cima de quem estivesse na frente. E, como uma profecia da bíblia que viria a ser seu livro sagrado, a história tomou seu rumo.

Seguiu seu curso e demonstrou que de fato o cristianismo se agarrara a suas pretensões de tal forma que não era possível tomá-las dele. Rapidamente aqueles que queriam mais poder fundaram a instituição que por séculos reinou por sobre, principalmente, o ocidente do planeta Terra. A Igreja Católica.

E foi assim, queimando livros e pessoas no caminho, destruindo fontes de conhecimento e atropelando crenças que ameaçassem seu império, que a igreja católica conseguiu o que tanto desejava. Foi só com uma ruptura colossal de paradigmas e pensamentos, conhecida como Renascimento, que a grande queda da religião finalmente aconteceu.

Portanto, não é à toa que outro dia eu estava lendo uma notícia e, mesmo que não tenha me surpreendido, resolvi por rever minhas crenças e tive certeza: só indo contra o direito mais fundamental do outro, o de ser livre e se expressar, é que a igreja propaga suas ideias e consegue poder. E não é diferente com os homossexuais.

Na matéria, um arcebispo se queixa de não poder criticar os homossexuais em paz, basicamente. É aquela velha história de “seu direito acaba onde começa o do outro” mais uma vez. Talvez por ser anterior à Declaração Universal dos Direitos Humanos, a igreja católica tenha se acostumado a fingir que ela não existe.

Ou, quem sabe, saber que existe e pensar que a respeita. Não estou aqui questionando fé, nem crença em deus, espiritualidade, nada disso, em sua essência. Estou apenas me levantando contra os preceitos, os conceitos e os preconceitos de quem usou, e usa, há séculos, essas mesmas fé, crença e espiritualidade para sempre apregoar valores quaisquer, e, principalmente, quaisquer valores, desde que sejam os seus.

Por Gabriel Goes


Roda da vida I

Labuta, labuta

Quão rápida gira

A roda-viva da vida

Daquela prostituta

 

Ainda pequena, largada na sarjeta

Aprendeu a viver entre uma noite agitada

E algumas aulas de clarineta

 

O pai, pobre, se perdeu

A mão se deixou ser perdida

Ai, como era dolorida

Aquela vida

 

Na insólita avenida

Entre um cliente e

do cigarro uma esbaforida

A prostituta sofrida

Só via os males que por ali habitam

A cutucar sua já incurável ferida

 

Labuta, labuta

Dolorosa e lentamente gira

A já quase-morta roda da vida

Daquela solitária prostituta exaurida

Daquela pobre prostituta…

 

Por Gabriel Goes


Sentimento de incompletude

Férias é tempo de procrastinar. Sim, eu disse isso. E não serei suficientemente volátil para mudar de opinião em tão pouco tempo. No entanto, depois das últimas férias, essas que estão acabando por agora, mais precisamente amanhã, pude constatar uma ou duas coisas sobre a assertiva que inicia esse parágrafo.

Basicamente, cheguei à conclusão de que, por mais paradoxal que possa parecer, férias também é tempo de resolver pendências. Ou seja, há aí uma dicotomia, um antagonismo que parece propor uma oposição deveras forte. Mas é simples.

Quando se está em aula ou trabalhando, tem-se muito menos tempo para a resolução de problemas que não digam respeito àquela atividade principal que está tomando grande parte do tempo. Isto é, aula e trabalho. Quando se está em férias, todo o tempo é livre, logo sobra mais espaço no calendário e no relógio para tirar da cabeça aquela preocupação que há muito está lá.

Ora, mas nem todo tempo é tomado na função de cumprir agendas pendentes, e então há o tempo livre que, na prática, não serve para nada, digamos, “útil”. E aí férias torna-se tempo de procrastinar. Porém, se assim o é, há que se procrastinar as tais tarefas pendentes também, e temos aí um paradoxo.

Com muito esforço para admitir, finalmente constatei que a procrastinação sem limites tem um efeito colateral seríssimo: ela causa um terrível sentimento de incompletude. Foi assim que minhas férias, por mais divertidas que tenham sido, revelaram-se. Deixei para depois tudo que podia, e então vi que “depois” não era suficiente para “tudo que podia”.

Nas minhas férias, a procrastinação venceu a resolução, e posso dizer que me arrependo disso. No fim, o paradoxo virou dilema, e este vai me atormentar enquanto eu não aprender a aliar a rotina que se aproxima com os tantos, tantos problemas para resolver. Férias: sua utilidade para mim vai ter de ser repensada.

 

Por Gabriel Goes


Saudosista

Ah, é difícil ficar tanto tempo longe de casa e nem se lembrar mais que se tem um lar. Ao mesmo tempo em que se respira novos ares, conhece-se novas coisas, novos lugares, novas paisagens, há aquela tristeza que, por mais que seja rechaçada, insiste em timidamente voltar a cutucar o peito, vez ou outra. É por isso que por mais que por mais que a viagem esteja boa, “o bom filho a casa torna”.

Foi o que eu fiz. Parti, rompi laços que já eram estreitos até demais, e me prendiam quando eu menos esperava, me arrastando por horas e horas a fio para lugares-comuns do meu mundo comum. Subitamente desisti daquilo tudo e vivi meu tempo livre de uma forma nova. Nova, mas tão claustrofóbica quanto a anterior, como rapidamente descobri.

E assim, com o passar dos dias, a tal tristeza veio a me cutucar, coincidindo com a rotina que eminentemente anunciava sua volta iminente. Essa tristeza tímida virou saudade, a saudade se tornou realidade, e a realidade me trouxe aqui mais uma vez para colocar tudo nos conformes e dar início a um novo ciclo que começa agora. E sabe-se lá onde vai parar.

O importante mesmo é que eu estou de volta, lamentando o tempo que perdi, porém reconhecendo as experiências que acumulei para, uma vez mais, recomeçar. Vamos lá.

 

Por Gabriel Goes


Caos e Ordem

CAOS, parte elementar da dualidade que rege o mundo, se é que ele é feito assim, e se é que se encontra frequentemente em equilíbrio ou fora dele; é difícil saber na realidade, é difícil medir…. Caos não é necessariamente ruim, mas é uma força discordante, uma força oposta, diferente, repelente, um momento que quebre a rotina e transforme a vida em algo que ela normalmente não é, algo imprevisto, seja uma doença ou seja uma surpresa, seja lá o que for, tudo tem caos e ordem, forças que se interrompem mas continuam um ciclo infinito, dando um origem a outro, e assim sucessivamente, em um equilíbrio que busca manter tudo em seu devido lugar, caos não é mal, caos é parte fundamental da dualidade: caos e ordem.

ORDEM

Por tanto e para tanto, se assim existe o caos

Que, lembrai-vos, não representa o mal

Também há, neste mundo, a ordem

Que não é de todo o bem

É só mais uma parte concordante da dualidade

Que não traz diferença ou variedade

Porém preenche a alma, para que se alimente

A mente

Todos os dias na rotina

Onde todos continuam a traçar a sua sina

Sempre nessa roda, nesse ciclo

Nessa eterna busca pelo equilíbrio

 

Por Gabriel Goes


Decadência da moralidade parte III

O que leva uma pessoa a assistir Big Brother Brasil? O que leva esse programa a fazer tanto sucesso? As respostas são absurdas, mas existem. Porém, há uma questão que me incomoda mais do que essas, já que eu, como discorri aqui, acredito que é a televisão que define o que os espectadores vão assistir, isto é, “o povo gosta de bobagem porque a televisão passa” ( mesmo que também seja verdade a assertiva “a televisão continua a passar bobagem porque o povo gosta”).

A pergunta é: Por que alguém teve a ideia de colocar alguns indivíduos em uma casa, deixá-los lá um certo tempo, se divertir esquizofrenicamente com relações humanas forçadas ao extremo e dar uma premiação por isso? É como se fosse o que acontece naquele filme Jogos Mortais, mas lá um psicopata pega sociopatas ou pessoas de moral muito distorcida e os coloca em um jogo que provavelmente vai matar todo mundo.

O que acontece no Big Brother é análogo, no entanto há algumas modificações: alguém de moral bastante distorcida seleciona pessoas que acha interessantes/engraçadas/”normais” e as coloca em um jogo que simula absurdamente a vida real, mas com relações humanas forçadas ao extremo. O criador se diverte, e, pasmem, ele descobriu que pessoas não tão deficientes quanto ele, porém com um senso fora do lugar – o que significa grande parte da população, a julgar pela audiência do programa – também se deleitam com esses espetáculo de retorsão de valores humanos básicos.

E a Globo rapidamente fez outra descoberta: o povo brasileiro adora o Big Brother ainda mais! E como o que importa, em primeiro e último caso, é o lucro, e o que traz isso é a audiência, dá-lhe décima primeira edição do Big Brother Brasil na TV. A cada ano fica pior. Incluem figuras que parecem mais polêmicas, explorando seu caráter qualquer que este seja. Mineração do sentimento de pessoas deslumbradas e iludidas com a fortuna que os aguarda.

1 milhão de reais que forçam pessoas a fingir que amam, odeiam, brigam, enfim, sentem. Big Brother Brasil é ridículo. A Globo não percebe o mal que faz ao passar esse programa que é o ápice da esquizofrenia ética do ser humano, e as pessoas não tem ideia do mal que estão sofrendo ao assisti-lo. A alienação, que atinge gravemente camadas cada vez maiores e mais jovens da população, é a sina. A vida que virá é o julgamento. Espectadores do Big Brother, preparem-se.

 

Por Gabriel Goes


Soluções alcançáveis

Todos os dias, noticiários, sejam eles na TV, na internet, no rádio ou em mídias impressas mostram imagens e trazem relatos extensos sobre como a situação no Rio de Janeiro é terrível. É fácil perceber que essa é sim a pior tragédia climática da história do Brasil, quiçá a maior tragédia em termos gerais, já que a contagem de mortos, infelizmente, passa de 680.

Pessoas que perderam, senão a vida, suas casas e pertences materiais pelos quais batalharam por muitos anos derramam lágrimas já involuntariamente, e isso é quase tudo que se vê. Há também o despertar da solidariedade nos corações daquelas pessoas, que mobilizam-se mesmo sem onde morar e com muito para lamentar, tudo em nome de pelo menos ver um sorriso ou um sentimento nobre em meio a tanta desgraça.

E por que acontece tudo isso? Deve haver um motivo, e claramente há. Vários. Logicamente não se pode conter a força da natureza, mas pode-se impedir que ela cause estragos. Afinal, todos os anos acontece a mesma coisa, não só no Rio, mas em São Paulo, Minas Gerais e em muitos outros estados. Tanto enchentes como deslizamentos que matam e destroem.

Vamos às razões: se o fato é rotineiro, há uma óbvia negligência das autoridades quanto a ele. Outra coisa que ocorre é  a ignorância persistente e a teimosia da população. Sim, do mesmo jeito que os governos federal, estadual e municipal devem investir em infraestrutura, como por exemplo em habitação e contenção de águas pluviais e fluviais, e em melhor monitoramento metereológico e condição para avisar os moradores de áreas de risco, estes últimos tem que aprender a deixar suas casas quando necessário.

Comparativamente, na Austrália, choveu quase tanto em Teresópolis e o número de mortos não passou de 20, enquanto na cidade fluminense já chega a aproximadamente 280.

É fácil perceber como alguém se apega a uma casa que construiu ou comprou, mas se ela está em um lugar absurdo, na iminência de se auto-destruir ou ser destruída, quem ali habita deve sair o quanto antes. Os custos de se ficar são muito maiores. Agora que a tragédia tomou proporções nunca antes vistas, talvez finalmente haja uma conscientização geral para que eventos terríveis como esses não voltem a acontecer, porque, enfim, as soluções são perfeitamente alcançáveis.

 

Por Gabriel Goes


Perseguição parte X

Os passos, antes arrastados, se aceleraram, assim como sua respiração e seus batimentos cardíacos. Finalmente ele se encontraria com seu destino. Não teve paciência para esperar o elevador, e correu pelas escadas até o primeiro andar, que se encontrava em um nível mais baixo do que o primeiro andar de seu prédio, onde morava. Atravessou o corredor em busca de alguma indicação ou alguma prova, mas nada.

Esperançosamente, com as emoções a todo o vapor, o rapaz subiu ao segundo andar. Olhou para um lado do corredor e não viu coisa alguma. Já do outro lado… Uma bela porta de madeira se abria lentamente, com um rangido longo e agudo. Fazia sentido: o segundo andar do outro prédio ficava na altura do seu apartamento, e de lá ele poderia ser monitorado, mesmo que um prédio ficasse de costas para o outro. Fazia tanto sentido que ele renovou suas forças, prendeu a respiração e foi até a porta semi-aberta.

Lá chegando, viu, com olhos muito abertos e coração palpitando fortemente, um ambiente fracamente iluminado por uma luz amarelada que ficava em um canto da sala de estar. Os móveis eram rústicos, de um bonito estilo barroco. As madeiras eram todas escuras e com detalhes entalhados em sua superfície. Uma grande poltrona de mogno e tecido vermelho estava virada de costas para a porta, e, consequentemente, para o garoto estarrecido.

Uma voz proveio dela: “Ora, ora, Gabriel, finalmente me achou. Eu estive te esperando.” Com um rangido tenebroso, a poltrona foi arrastada pelo homem que nela se sentava até que ele ficasse frente a frente com o garoto que naquela hora suava muito. O homem robusto se levantou e se aproximou dele. Estranhamente, mesmo com o contato iminente, o rosto do homem não passava de uma sombra e seu corpo de um vulto enegrecido.

Ele estendeu a mão para o rapaz, que hesitou. “Vamos, me dê a mão”, disse o homem. A música começou a tocar, talvez pela última vez, o menino sentiu. Tocava mais e mais alto, e num movimento quase involuntário, ele estendeu a mão. Sentiu aquele objeto de forma retangular, de onde emanava a melodia, tão familiar, entre seus dedos. O polegar foi rapidamente ao encontro do botão que desligava o alarme. O garoto acordou para mais um dia de sua vida, e, finalmente, tudo aquilo havia acabado.

-FIM-

 

Por Gabriel Goes


Perseguição parte IX

Nada daquilo fazia o menor sentido. Por mais que o garoto não tivesse encontrado, na sua busca extensiva e desesperada pelo banheiro, qualquer sinal que corroborasse com sua teoria de perseguição, ele não poderia se dar por vencido, já que a música continuava a tocar, independentemente dos seus esforços em entendê-la em todos seus aspectos.

Ficou o dia inteiro pensando em como acabaria com aquele problema que tanto lhe atormentava, e há tantas noites. Várias ideias lhe passavam pela mente, mas nenhuma que realmente pudesse ser posta em prática. Até que alguma coisa razoável lhe ocorreu. Ao invés de deixar a melodia ir até ele, como todos os dias ela ia, o rapaz faria o contrário.

Era isso. Iria à raiz do problema, enfrentar suas dúvidas e esclarecer aquela situação tão estranha de uma vez por todas. Descobriria, o mais rápido possível, de onde a música vinha e até ela se dirigiria, para enfim vencer uma batalha, mais do que com a origem da melodia, uma luta consigo mesmo.

Plano traçado em sua cabeça, o garoto, em vez de ir ao banheiro como havia feito durante todos aqueles dias, o que só resultaria em mais um tormento, vestiu-se e, sem que a mãe, já deitada na cama, visse, saiu de casa, atravessou o corredor, desceu as escadas e saiu do hall do seu prédio. Como que numa cruzada pela verdade, andou com passos pesados até o bloco atrás do seu, e disse ao porteiro que visitaria um amigo. Permissão para entrar concedida.

 

Por Gabriel Goes