Perdido, desnorteado, desorientado, apenas com uma túnica pobre de linho cinzento, Mornon se viu não mais com um elfo. Mas ele sabia que não podia renegar suas origens. Ele tinha instintos, apesar de doces e suaves, aguçadíssimos e treinados para sobrevivência não na selva, mas COM a selva. E assim, ele se levantou em meio à chuva densa que caía e seguiu com os passos mais decididos que um elfo poderia pisar.
Mornon passou a viver em harmonia com a natureza que o cercava. A chuva era sua força para erguer os ombros mesmo sob pressão, o sol era sua luz guia, os animais eram seus amigos mas também seu alimento – sim, Mornon, abdicando de uma parte de suas origens élficas, passou a comer carne, pois ela o fortalecia imensamente -, as plantas seu abrigo, sua energia, seu caminho para o mundo espiritual que não podia nem deveria ser renegado. Ele se deixava levar pelos rios, explorava a profundeza dos lagos. Era um só com o mundo à sua volta.
Ao mesmo tempo, Mornon percebera que não bastava viver em harmonia. Ele precisava sobreviver. E, ao longo de um ano, que passara muito mais lentamente que qualquer outro ano da sua vida, ele aprendeu a construir armas com madeira e pedra lascada, armas rudimentares mas que serviam para a caça ou para eventuais ataques de ladinos. Mornon estava agora no mundo do lado de fora, no mundo real. Além disso, de escamas, cascos e couro construiu uma intrincada armadura que o acompanhava para onde quer que ele fosse. Depois de alguns meses trabalhando, conseguiu adquirir metal suficiente para construir uma espada digna. O metal era só o cabo. A lâmina da espada era de uma pedra semelhante ao cristal, não em sua transparência, mas em sua consistência. Uma espada simples, muito pesada, que Mornon aprendeu a manejar enfrentando lobos e ursos, além de um ou outro guerreiro bêbado nas estradas.
Suas ombreiras de casco já estavam gastas e o couro ligeiramente esfacelado, mas dia após dia, naquele ano árduo, Mornon continuava a andar com passos largos. Para onde? Ele não sabia seu destino, definitivamente não. Talvez fosse apenas caminhar. Talvez fosse descobrir o potencial selvagem que existia dentro de si, como guerreiro que havia se aprimorado através de natação, exercícios, corrida, levantamento de rochas e madeira e certa habilidade com a espada e outras armas, tudo isso aliado com a sensibilidade e os apuradíssimos sentidos dos elfos.
Porém, naquele dia, em que completava 100 anos, Mornon não se considerava mais um elfo, totalmente. Ele havia renegado seu caminho traçado como bardo, adquirido conhecimento sobre coisas que nunca imaginara existir, e aprendido a viver de uma forma muito mais selvagem e estigmatizada que qualquer elfo jamais experienciara. Naquele dia, sabia ele, ele poderia escolher seu nome, quem ele realmente era. Não era mais Mornon. Agora era Aeltahllas, o Cavaleiro da Lâmina Selvagem.
FIM
Por Gabriel Goes