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A chama domada

Aquele chamado pertubava minha alma desde o dia em que acordei e fui de encontro ao seu calor. Um pouco do fogo, ao que parece, tinha se instalado fundo nas minhas entranhas. Mas isso não era ruim. Fazia meu desejo de viver queimar mais forte. Fazia meus passos serem mais decididos. Porém, algo havia de errado. Não raramente, meu passo falseava, como se meus pés queimassem ao tocar o chão. A chama me chamava.

Hoje, tomei coragem. Vi o sol brilhando e inundando meu quarto como naquele dia, rasgando a cortina de nuvens cinzas. Peguei o que precisava. Fui de encontro, cuidadosamente, até aquela árvore flamejante, que se destacava, com a imponência usual, do verde e do azul. Senti que aquele era o caminho a trilhar.

Lá chegando, palavras não foram trocadas. Bastou um olhar meu para que meus olhos refletissem todo o brilho vermelho, intenso, do fogo que nunca vai parar de queimar. Senti a relutância da árvore em entregar um pouquinho da sua luz, mesmo que só por um instante. Porém, não havia como hesitar naquele momento. Saquei a câmera, o fogo explodiu dentro e fora de mim: foi só um clique. A chama estava domada.

 

Por Gabriel Goes


A árvore flamejante

Acordo ainda no escuro, como se fosse noite. Logo, ponho-me de pé, na preparação para mais um dia que se seguirá. Com passos tortos, vou até a janela, com um leve ruído, abro a cortina e contemplo a luz do sol que transborda por entre as largas frestas da grade e inunda meus olhos até aqui pouco abertos. A alegria de acordar e ver que mais uma vez a luz brilha no céu contrasta fortemente com as perspectivas do dia que já começou.

Em meio à correria da arrumação, entre meias, tênis, fios de cabelo, frutas e sucrilhos, pasta de dente e espelhos, que refletem mentirosamente minha imagem, o tempo só joga ao meu lado na hora da breve leitura de um jornal. Os pés entram nas meias, que entram nos tênis. Já os braços adentram o espaço apertado da camiseta para logo depois se apoderarem da mochila, fiel carregadora de tudo que tenho para levar na minha jornada rotineira.

Quando, então, parece que o intervalo entre estar desperto e deixar meu lar é finito, um vulto vermelho capta a atenção imediata dos meus olhos. Vou até a janela pela segunda vez no dia para contemplar a beleza do fogo das folhas de um flamboyant. Essa árvore, que se entrelaça nas folhas verdes e cria um paraíso sem igual, de folhagem amarela, laranja, vermelha. Não por acaso seu nome é ‘flamejante’. Por aquele breve instante que, mais uma vez, o tempo me dá, meus pensamentos fazem uma viagem pelos galhos, pela cor, pela chama que queima no mar verdejante. Logo tenho que deixá-la lá, queimando como nunca.

Prometo a mim mesmo que ainda hei de capturar aquela flâmula em uma fotografia, ainda hei de contemplar sempre que quiser, ainda que não com a vermelhidão e a força natural, a beleza do flamboyant. E daquela última visão antes de partir me vem vontade, vontade de fazer com que o dia seja, finalmente, diferente: Irrascível como a chama que queima com incomparável ardor.

Por Gabriel Goes